segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Álcool ligado a mais de 60% dos internamentos


Mais de 60 por cento dos internamentos no Serviço de Gastrenterologia do Hospital Doutor Nélio Mendonça devem-se a problemas ligados ao álcool. O referido Serviço interna à volta da 700 doentes por ano, sendo que, destes, cerca de 500 são com patologia ligada ao álcool.
Segundo adiantou ao JM o director do Serviço de Gastrenterologia, além da tão falada cirrose, são várias as patologias no tubo digestivo causadas pelo álcool, tais como o cancro do esófago, o cancro do estômago, a gastrite crónica alcoólica, a esofagite, a pancreatite alcoólica (que origina uma média de um internamento por semana), a diarreia ou ainda a doença hemorroidária. Isto já para não falar do facto de afectar outros órgãos e das múltiplas consequências que o problema do alcoolismo poderá causar.
Tendo em conta esta realidade, Ricardo Teixeira diz mesmo que «o álcool para nós é um companheiro de trabalho, no mau sentido». Para este responsável, apesar de a luta anti-alcoólica ser já antiga, os hábitos ancestrais que não mudam, relacionados com o vinho e os produtos a este associados, o marketing muito agressivo e impositivo do álcool e a sua grande presença no comércio estão na origem desta problemática. «O álcool tem feito estragos na nossa sociedade» e «tem criado doentes de longa data», sublinha.
Este gastrenterologista diz recordar-se de, quando chegou à Região, há cerca de 35 anos, ver crianças a morrer de cirrose, algo a que de deixou de assistir, graças ao abandono do hábito de dar «sopas de cavalo cansado» às crianças.
O nosso interlocutor considera que o padrão de consumo mudou para as bebidas muito concentradas, nomeadamente os shots, ou então para a cerveja, que é menos alcoólica (bebe-se mais, embebedando-se menos). Tal como explica, a agressão causada por uma bebida concentrada é maior, principalmente no que diz respeito ao cancro do esófago. Comprovativo disso mesmo é o facto de antigamente haver o hábito de tomar de trago a aguardente (grogue), o que fazia com que houvesse mais cancro do esófago que actualmente. «O padrão mudou», referiu, acrescentando que «temos um bocadinho menos de cancro do esófago, devido à mudança dos hábitos álcoólicos».
Ainda assim, verifica-se a manutenção da cirrose. Ricardo Teixeira alerta que cinco anos a beber acima do tolerável «corresponde, nos indivíduos sensíveis a uma cirrose garantida». «Como hoje em dia já se começa a beber aos 16 e aos 20 anos, as cirroses começam a surgir aos 25 e aos 30 anos», adverte, lembrando que noutros tempos isso acontecia em idades mais avançadas.
Por outro lado, o director do Serviço de Gastrenterologia afirma que as pessoas não têm todas a mesma resistência ao álcool, sendo que há indivíduos que muito rapidamente podem desenvolver uma cirrose, enquanto há outros que são mais resistentes. Como exemplo disso mesmo, recordou o caso de um doente a quem foi diagnosticada uma cirrose aos 69 anos e que veio a morrer aos 86 anos, com a cirrose, mas não por causa desta.
No que concerne à gastrenterologia, este responsável refere que os avanços têm sido «imensos», que os meios médicos têm melhorado e que, embora «continuem a ter como horizonte a morte, a sobrevida destes doentes às vezes é muito razoável (vários anos)». Mas, frisou, «isto não é exemplo para ninguém. São indivíduos excepcionais, porque o normal é o inverso».

10 a 15 novos casos mensais
A par das acções de sensibilização e de prevenção, a Associação de Alcoologia “Mão Amiga” também apoia pessoas que queiram fazer desabituação alcoólica. Nesse sentido, apoia essa desabituação em regime de ambulatório, com apoio médico e fármacos, gratuitamente. Por mês, tem cerca de 10 a 15 novos casos.
De referir que, além da “Mão Amiga”, também a Associação Anti-Alcoólica da Madeira desenvolve um trabalho de prevenção do alcoolismo e de encaminhamento e apoio a estes doentes.

Falta fazer cumprir a lei e há muita permissividade
O presidente da Associação “Mão Amiga” considera que «há muita permissividade» no que respeita à venda de bebidas alcoólicas a menores de 16 anos e diz que é preciso fazer cumprir a lei.
Rui Cardoso refere que a Organização Mundial de Saúde preconizou que no ano 2013 a idade mínima para venda de bebidas alcoólicas seria de 21 anos e que em 2010, também na Europa, já seriam os 18 anos. Contudo, critica,«nós ainda estamos nos 16, porque o diploma está guardado há dois anos (a nível do Governo central)». Mas ironiza, «começo a pensar: para quê sair esse diploma, se os 16 anos nem sequer são cumpridos».
O responsável lembra que o ano passado, com a realização de campanhas nocturnas de sensibilização (com a PSP e o Serviço de Prevenção da Toxicodependência) nos locais frequentados pelos jovens, foi possível observar que havia jovens com 12 a 13 anos «a consumir da mesma forma que os de 20 anos».

Fonte: Jornal da Madeira/Ricardo Caldeira

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